domingo, 1 de janeiro de 2017

Comentários sobre o livro “Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou”



Comentários sobre o livro “Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou”

Marco Milani
Departamento do Livro e Doutrina
União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo

Após o lançamento em 2015 de sua obra “Em nome de Kardec”, o escritor Adriano Calsone apresentou ao público espírita, em outubro/2016, mais um livro originado de pesquisa histórica, também pela editora Vivaluz. Em “Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou”, Calsone descreve e destaca a relevante participação de Amélie-Gabrielle Boudet no processo de estruturação e desenvolvimento do Espiritismo conduzido por seu marido, Sr. Rivail ou Allan Kardec.
Com redação clara e fluente, o texto apresenta a senhora Kardec de maneira original, considerando-a protagonista não somente em uma época marcada por desafios e imposições sociais à condição feminina, mas como uma espírita atuante e defensora da coerência doutrinária.
Os trinta capítulos do livro são distribuídos em três grandes partes. Na primeira, contextualiza-se a infância e juventude de Amélie na França do final do século XVIII e início do século XIX. Fragmentos dos agitados momentos políticos, econômicos e sociais registrados nessa época são usados como pano de fundo à descrição da vida da família Boudet e vocação da jovem Amélie às atividades educacionais.
Enfrentando as convenções da sociedade parisiense, em que as moças eram preparadas para logo saírem de casa sob a proteção de um marido ou ingressarem em um convento, a dedicação aos estudos e o sucesso na carreira docente exibidos por Amélie não eram comuns. Apreciadora do método pedagógico de Pestalozzi e inclinada às artes, publicou três livros voltados à educação e chamou a atenção de outro professor, nove anos mais novo, que também compartilhava da mesma vocação ao ensino: Hipollyte Léon Denizard Rivail.
Desde o casamento, em 1832, Amélie contribuiu ativamente com os projetos e empreendimentos educacionais de Rivail, dividindo alegrias e preocupações decorrentes dos acontecimentos que sempre exigiram do casal devotamento e entrega aos ofícios que abraçaram.
Poupando o leitor de minudências já fartamente descritas em biografias sobre a iniciação de Allan Kardec ao Espiritismo, Calsone opta por destacar aspectos do período de nascimento e desenvolvimento da Doutrina Espírita, porém voltando a atenção à participação efetiva da Sra. Kardec nesse processo.
A segunda parte do livro abrange o período de viuvez (1869) até a desencarnação (1883) da Sra. Kardec, quando diversos acontecimentos interessarão ao pesquisador e ao público em geral, pois tratam-se de narrativas pouco exploradas na literatura espírita, mas fundamentais para se entender o declínio do movimento espírita francês.
Logo depois da passagem de Allan Kardec ao mundo espiritual, as divergências internas e o afastamento da coerência doutrinária fizeram com que espiritualistas místicos e reformadores sociais travestidos de espíritas disseminassem o sincretismo e práticas estranhas no seio do movimento espírita. A viúva Kardec e alguns adeptos tentaram se mobilizar contra as deturpações místicas e roustainguistas que se infiltravam, principalmente pela questionável condução da Revista Espírita por Pierre-Gaëtan Leymarie e a influência oportunista de Jean Guérin, um fervoroso seguidor de Roustaing.
A criação da União Espírita Francesa, com o apoio da viúva Kardec, foi uma das ações realizadas em prol da valorização do Espiritismo.
De maneira objetiva, Calsone descreve os fatos históricos que forneceram armas aos adversários do Espiritismo, decorrentes do desvirtuamento doutrinário promovido por falsos adeptos que estavam mais interessados em fundar seitas e sociedades secretas espiritualistas do que em divulgar os princípios e valores espíritas.
Isolada por muitos que se diziam amigos de seu estimado esposo, mas ainda contando com a admiração de parcela significativa dos espíritas franceses e de outros países, a Sra. Kardec desencarnou deixando um legado de trabalho árduo, intenso e digno.
Na terceira e última parte do livro, descreve-se o conturbado processo envolvendo a cobiçada herança dos Kardec, que consumiu quase duas décadas com episódios jurídicos sobre o espólio do famoso casal estampando as páginas de jornais parisienses.
Diante de inúmeros livros de qualidade doutrinária duvidosa que atualmente são lançados no mercado e que tentam capturar o público espírita apenas por serem supostamente psicografados, poucas publicações oferecem contribuições efetivas ao pesquisador espírita.
A obra “Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou” é leitura recomendada, não somente por resgatar a relevância de Amélie Boudet na história do Espiritismo, como também por convidar o leitor a refletir sobre a necessária e oportuna orientação de Allan Kardec:

É, pois, um dever de todos os espíritas sinceros e devotados repudiar e desaprovar abertamente, em seu nome, os abusos de todo gênero que pudessem comprometê-la (Doutrina Espírita), a fim de não lhes assumir a responsabilidade. Pactuar com os abusos seria acumpliciar-se com eles e fornecer armas aos adversários (KARDEC, Revista Espírita, jun/1865)


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